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    Partidos amplos e governos anti-austeridade: de fracasso em fracasso, extrair todas as lições da derrota de Syriza.

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    [Traduction de Virginia]

    A direção do NPA, cuja maioria está organicamente ligada à maioria do Secretariado Unificado da IV Internacional (SUQI) se recusa a extrair todas as lições de uma orientação de construção que não cessou de se equivocar e de conduzir a catástrofes políticas e organizativas nas suas seções nacionais com, evidentemente, um impacto global muito negativo, após mais de vinte anos. A questão é a seguinte: qual é a política da direção do SUQI no coração de grandes e repetidos fracassos, por vezes acompanhada de verdadeiros naufrágios em alguns países? Após estabelecer uma lista não exaustiva das principais experiências lamentáveis e desastrosas vividas durantes as duas últimas décadas, esta contribuição se concentra sobre a última tragédia – a grega.

    O cerne do problema político aparece inicialmente nas escolhas mais ou menos empíricas do SUQI ns anos 1980, depois se sistematiza na década de 1990, após a queda do Muro de Berlim e a derrocada do bloco oriental, facilmente colonizado pelo capital.

    A falência política da corrente Democracia Socialista (DS) no Brasil

    Em 1979-80, observa-se primeiramente a pequena seção brasileira do SUQI participar da construção do Partido dos Trabalhadores brasileiro. Participar da construção de um partido de massas como o PT não é em si um problema: trata-se – ou melhor, deveria tratar-se – de uma escolha tática, tanto mais obrigatória pois naquela situação todas as organizações da esquerda não estalinista ou em ruptura com o estalinismo se reencontraram no PT. O problemático é que no caso da DS, a tendência do PT ligada ao SUQI, a prioridade foi atribuída para a construção do PT – e para a construção, notadamente, de seu aparelho – em detrimento de todo o resto, em especial a construção de uma corrente revolucionária nesse partido. O aparelho do PT, partido amplo dirigido desde o início por uma fração de esquerda da burocracia sindical, gradualmente fagocitou a DS, que negligenciou sua própria construção de maneira independente com relação à direção do partido e de seus diversos aparelhos. Os membros da DS participaram, em número crescente de cada vez mais sistematicamente, não apenas das estruturas do PT enquanto profissionais, mas também e sobretudo nos aparelhos do Estado burguês investidos pelo PT, especialmente nos executivos, a começar pelos municipais, depois dos Estados e, finalmente, no nível do governo central. Tudo isso teve consequências extremamente deletérias e destrutivas para a própria seção brasileira do SUQI (a DS) e, logicamente, para as perspectivas revolucionárias e a IV Internacional no Brasil e no mundo. Pouco a pouco, nos anos 1990, e de maneira definitiva desde 2003, a DS se fundiu nos aparelhos reformistas do PT e nas instituições burguesas por ele geridas, perdendo cada vez mais suas diretrizes e seus princípios, até chegar a participar de um governo do PT em aliança com as forças da direita mais nauseabundas e a avalizar a política exigida pelo FMI e aplaudida pelas elites brasileiras e internacionais. Quando um punhado de eleitas/os da esquerda do PT se opuseram por seu voto à quebra da previdência dos servidores decidida pelo primeiro governo Lula, desde 2003, a DS o apoiou majoritariamente, assim como apoiou a direção convertida em social-liberalismo do partido, que estava encarregada de excluir as e os “que atrapalhavam”, qualificadas/os de “radicalóides”. O nó se fechava: a DS, tornada acima de tudo uma fração da burocracia do PT, implicada com ele na gestão dos negócios da burguesia, se opunha aos militantes que pretendiam simplesmente manter a honra por um posicionamento político de esquerda. No interior da DS, a ruptura de esquerda com o PT, entre 2003 e 2005, somente atingiu em torno de 20% da tendência. Houve bastante abandono enojado de militantes e, sobretudo, a imensa maioria dessa tendência escolheu o conforto burocrático da profissionalização, sobretudo nos cargos eletivos e nos postos de confiança fartamente remunerados que o PT facilitava, tornado o principal partido do governo. A DS portanto apodreceu no pé: no começo pequena organização revolucionária estudantil, ela terminou por fazer seu ninho num aparelho hiper-oportunista de políticos profissionais prontos para todos os arranjos politiqueiros. Essa experiência desastrosa de construção do PT sem preocupação de independência política – e, consequentemente, material – foi mantida por todo esse período sem que, aparentemente em momento algum, os dirigentes do SUQI tenham interferido para dar um sinal de alarme, ou pelos menos conseguissem – terão realmente tentado, tendo em vista o princípio (de geometria variável, como logo veremos) segundo o qual as seções do SUQI devem decidir de suas políticas? - por um termo a essa putrefação burocrática. Quando da cisão de 2003-2005, o SUQI apoiou os setores do PT (e da DS) que rompiam com o partido apodrecido, sem jamais porém colocar seriamente em questão, por uma autocrítica consistente, a política que conduzira a esse naufrágio.

    Na França, o apoio à campanha reformista de Juquin em 1988

    Num contexto diferente, mas partindo das mesmas premissas de fundo, desde a metade dos anos 1980, a LCR (Liga Comunista Revolucionária) francesa se orientou em direção à construção de uma “alternativa” política procurando formar, segundo modalidades variáveis, uma organização mais ampla, e mesmo um novo partido do qual a seção francesa do SUQI seria um dos componentes. Tratava-se então de reagrupar diferentes pequenas organizações centristas e “reformistas de esquerda” e sobretudo de procurar convergências em nível programático e estratégico com os setores do PCF (Partido Comunista Francês) mais ou menos em ruptura com a direção deste partido. Essa atitude nada tem a ver com a tática da Frente Única que consiste em “atacar juntos” e “caminhar separadamente”, em outros termos, nos colocar de acordo com os reformistas em pontos precisos e pontuais, sem nos impedir de criticá-los e de defender nossa orientação. Essa fase de procura da “alternativa” sem dúvida culminou no caso doloroso da campanha presidencial de Pierre Juquin em 1988. Querendo criar um acontecimento político que permitisse extrapolar pela esquerda, ao mesmo tempo, a política sinistra do PS (Partido Socialista) a farsa da mitterrandolatria [François Mitterrand, do PS, eleito] e o candidato do PCF (André Lajoinie), a LCR se engajou ardorosamente ao lado de Juquin, antigo dirigente do PCF, numa campanha “unitária”, reagrupando diversos grupos reformistas ou centristas. No fim das contas, bom número de militantes da LCR compreendeu que eles ou elas serviram sobretudo para fornecer tropas, essencialmente para valorizar o candidato. O candidato, que jamais saiu do reformismo, se autonomizou de maneira a cada vez mais total e direitista antes mesmo do fim da campanha, para no final somente receber no primeiro turno da presidencial o modesto escore de 2,10% (pouco melhor que Arlette Laguiller e seus 1,99%), enquanto o candidato oficial do PCF captava 6,76% do eleitorado. Essa experiência foi muito traumatizante para uma grande parte dos e das militantes da LCR da época. Mas as lições somente foram extraídas superficialmente pela direção da LCR e pelo SUQI. Ao contrário, a procura, para além de convergências para a ação, de parceiros reformistas ou centristas para discutir um programa comum tornou-se uma constante, uma verdadeira linha política.

    Na prática, a defesa de um programa mínimo antiliberal

    O desmoronamento do estalinismo e o trinfo da ditadura do capital nos países do Leste europeu marca uma etapa fundamental nessa via. A ideia se instala na maioria do SUQI de que o período histórico mudou e que, portanto, é preciso também mudar de programação política e de instrumentos organizativos, afim de se dirigir em direção a um socialismo que, certamente, permanece um objetivo histórico, mas cujo horizonte parece nitidamente se afastar. Sem poder entrar aqui em todos os detalhes, os iniciadores desse “novo curso” substituirão s princípios do programa de transição trotskysta pelos programas “unitários”, bem menos claros e menos... revolucionários, insistindo sobretudo sobre as medidas de urgência. As grandes lições do marxismo e as contribuições de Lênin – especialmente sobre a necessidade de destruir o Estado burguês – parecem guardadas. Mas guardadas onde? Na naftalina, para retirá-las em período mais prometedor para os trabalhadores? Ou diretamente nas lixeiras da história? Aí reside uma questão crucial, sobre a qual podemos ainda nos interrogar hoje... Esse apagamento e essa desradicalização programáticas propostas e executadas pela direção do SUQI se acompanham é claro de uma mudança de linha na construção de suas seções nacionais. Acabados os partidos revolucionários, considerados excessivamente radicais, muito longe das possibilidades concretas e da necessidade de reconstruir uma consciência de classe elementar, e quase mais nada... Abre-se espaço para os partidos amplos que reagrupariam em seu interior uma grande gama de correntes indo de reformistas, de preferência qualificados de “radicais”, a revolucionários puros e duros, em torno de programas intermediários entre essas duas extremidades. A orientação do SUQI, desde o início dos anos 1990, se concentra portanto sobre a pesquisa da construção de uma “esquerda radical” reagrupada, segundo modalidades que variam de uma seção nacional a outra, em “partidos amplos”, ao mesmo tempo em ruptura com o estalinismo moribundo e em oposição a uma social-democracia já convertida ao neoliberalismo. [*] Gradualmente, vimos as seções do SUQI passarem de um projeto de revolução socialista mundial, implicando necessariamente a violência insurrecional organizada das/os trabalhadoras/es e a ruptura com os Estados burgueses, a um projeto de alianças anti-lilberais visando conquistar maiorias eleitorais para conduzir, em governos ocupando os principais postos em Estados – cuja natureza de classe é a cada dia menos questionada – políticas de ruptura com o liberalismo. No que concerne à ruptura com o próprio capitalismo, a ideia, mesmo que não esteja escrita, é que ela chegará seguramente mais tarde. Chega-se assim, de fato, a uma espécie de “etapismo”, sempre implícito, da direção do SUQI: primeiro acabar com o neoliberalismo, na perspectiva de uma esquerda “radical” que recusa a decisão entre reformismo e revolução; em seguida, quando as condições serão mais favoráveis, acabar com a própria exploração capitalista e se engajar na construção do socialismo. A maioria dos defensores, majoritários no SUQI, da linha dos “partidos amplos” e de programas de ação comum com os “reformistas em ruptura”, “de esquerda”, etc., não admitirão jamais tal etapismo, tal dicotomia, pois toda a história e cultura do SUQI estaria questionada. De fato, porém, por relações de pura lógica, é forçosamente a iss que conduz a política dos partidos amplos incluindo as forças da esquerda reformista: programa que passam a defender no cotidiano as seções do SUQI que aplicam esta linha, não é mais o programa marxista-revolucionário, mas um programa mínimo, baseado na negociação com forças claramente reformistas e/ou centristas. Pois não há segredo e é perfeitamente lógico: negociar um programa comum com reformistas implica adaptar-se às exigências destes, e portanto deixar de lado o que deriva de uma lógica revolucionária. Em outros termos, a interseção de um programa marxista-revolucionário e de um programa reformista se situa no menor denominador comum, isto é, no reformismo. Se o programa de transição trotskysta não está oficialmente abandonado, foi colocado no armário é o programa comum do “partido amplo” que, nos países em questão, assume pouco a pouco todo o espaço. A velha dicotomia entre programa mínimo e programa máximo, característica da social-democracia, volta à tona e é colocada em prática pelas seções do SUQI que colocam em prática esta linha.

    Também na Itália e na Alemanha, a adaptação ao reformismo

    Esta foi posta em prática... com que resultados! Citem-nos outra coisa além de fracassos e, às vezes, até mesmo verdadeiras catástrofes! Dêem-nos apenas um único exemplo consistente de sucesso (particularmente, de um partido indo na direção da superação do reformismo inicial pelas correntes revolucionárias). As derrotas ainda nem sempre se consumaram, mas a lógica dos acontecimentos, salvo se a situação for rápida e radicalmente modificada, conduz a isso inexoravelmente. Sem podermos nos estender sobre todos os detalhes dos múltiplos fracassos e das catástrofes políticas gerada pela política da maioria do SUQI, mencionemos rapidamente o caso da Itália e da Alemanha.

    A LCR italiana, com outras (Democracia proletária; PCI-ML), participaram com entusiasmo na criação do PRC (Refundação Comunista) na Itália em 1991, partido cuja corrente dominante é um setor da esquerda – mas de uma esquerda claramente reformista – do ex-PC italiano, corrente que recusou a virada do PCI em direção à social-democracia. Essa experiência conduziu ao desenvolvimento de um partido inicialmente, ao mesmo tempo, “movimentista” e institucional (41 deputados na Câmara e 27 senadores em 2006). Isso permitiu ao presidente do PRC, Fausto Bertinotti, tornar-se presidente da Câmara, no contexto de uma aliança com a “centro-esquerda” neoliberal [a Coalização da Oliveira, ou l'Ulivo, em italiano]. A direção do PRC optou por apoiar o governo Prodi em sua guerra no Afeganistão... Esse partido, afinal mais “razoável” do que sugeria a mídia alguns anos antes, terminou totalmente eliminado da cena parlamentar em 2008. E em 2007, alguns rebeldes isolados saíram do PRV gangrenado pela burocratização e pelo parlamentarismo, para fundar com escassas forças uma Esquerda Crítica que reagruparia os principais defensores do SUQI. Mais de 15 anos de desperdício político: uma ativa militância dedicada à construção de um partido amplo nas mãos de reformistas, que terminou dessa forma em nada, e esta é também uma política jamais questionada seriamente pela direção do SUQI!

    Mencionemos também a trajetória da seção alemã do SUQI, a ISO [Internationale Sozialistische Organisation (Organização socialista internacional)], saída da recente unificação do ISL [Internationale Sozialistische Linke (Esquerda socialista internacional)] e do RSB [Revolutionär Sozialistischer Bund (Liga socialista revolucionária)], ambas seções do SUQI. Os membros da ISO, saídos da antiga ISL, continuaram a priorizar a construção do Die Linke [A Esquerda]. Entretanto, Die Linke aparece na Alemanha como um partido reformista cada dia mais moderado, construído essencialmente em torno do ex-dirigente social-democrata Oskar Lafontaine e, sobretudo, da excrescência reformista e burocrática do SED [Sozialistische Einheitspartei Deutschlands (Partido socialista unificado da Alemanha)], partido único nos tempos da RDA [República Democrática Alemã], na parte oriental da Alemanha. Neste país, não há participação do Die Linke no governo federal – pelo menos até hoje – mas várias experiências de participação (em aliança com a social-democracia) na gestão dos Länder (regiões) e, nelas, na aplicação de políticas de austeridade. Entretanto, membros (saídos da ex-ISL) mantém sua participação. Como o Iso espera portanto se distinguir eficaz e publicamente desses deslizes reformistas? Admitindo-se que a tática entrista seja justificada na situação particular da Alemanha (baixo nível da luta de classes, fragmentação das organizações não reformistas), no mínimo seria necessário que ela seja discutiva coletivamente, o que não ocorreu nem antes, nem durante nem depois do processo de reunificação. A tática entrista só deveria ser mantida com a condição de militar, no Die Linke, pela convergência das diferentes correntes de esquerda (Antikapitalistische Linke, Sozialistische Linke, etc.) e pelo estabelecimento de uma política abertamente revolucionária, em oposição frontal ao aparelhos reformista e com total independência das burocracias sindicais.

    Passemos rapidamente sobre os desacertos da seção dinamarquesa do SUQI, o Partido socialista operário, com sua participação na Aliança Vermelha e Verde, Aliança que vota o orçamento governamental; sobre o desastre político que representa o apoio pelo Bloco de Esquerda português – bloco membro com Syriza, o PRC [Partito della Rifondazione Comunista (Partido da refundação comunista)], o PCF [Parti Communiste Français (Partido comunista francês)], o PGE (Partido da Esquerda Europeia) – ao governo social-democrata de Portugal, e o voto da seção local do SUQI a favor do plano de austeridade europeu apresentado como destinado a um “salvamento” da Grécia; sobre a contente participação no movimento reformista e institucionalista Podemos na Espanha com os “Anticapitalistas” e uma direção do SUQI que não hesita a excluir os opositores a essa orientação. Deixemos de lado outros fracassos e ignomínias que vão sempre no mesmo sentido. No caso da Espanha e de Anticapitalistas, a catástrofe política ainda não chegou: está em preparação com a ajuda ativa da direção do SUQI que, visivelmente, ainda não viu suficientes derrotas para fazer o esforço de compreender. Um indício deveria entretanto alarmar nossos estrategistas de partidos amplos e outros promotores dos “governos anti-austeridade” do SUQI: o apoio sem titubear de Pablo Iglesias e da direção de Podemos a Tsipras após sua capitulação diante dos tubarões da troika em 2015... E isso, enquanto até mesmo Mélenchon se distanciava de Tsipras e da política de seu governo! Mas isso nada significa para a direção do SUQI, cuja perseverança no erro é dramática!

    As consequências calamitosas da política do SUQI na Grécia

    Chegamos portanto ao que foi a política lamentável da direção do SUQI na Grécia e a suas calamitosas consequências. Pois, à parte a ignominiosa putrefação social-liberal da DS brasileira no PT de Lula, é sem dúvida alguma na Grécia que, até agora, a lógica dos partidos amplos e dos programas compartilháveis com reformistas – o que significa sempre apoiá-los – teve as consequências mais trágicas, para o povo grego, e as mais danosas para as perspectivas revolucionárias nesse país e em todo o mundo.

    Comecemos pelo que dizia a direção do SUQI em julho de 2015, imediatamente após a grande vitória do NÃO ao referendum grego, e antes da capitulação do governo Tsipras: “Acaba de ser provado aos olhos de todos que a União europeia e suas instituições não são nem um espaço neutro nem um contexto neutro. É uma construção política organizada pelos capitalistas para escapar a todo controle popular na implementação de seus interesses. Essa construção não se reformará. É ilusório querer levar uma política alternativa aceitando a soberania dessas instituições autocráticas”. O mesmo texto fala de um mandato dado pelo povo grego à tsipras, pelos 61% de votos NÃO: “Esse mandato passa pela interrupção do pagamento da dívida ilegítima e odiosa, por um caminho que, com a nacionalização e o controle do sistema bancário, dê à população grega sua soberania sobre suas escolhas políticas, econômicas e sociais. São essas as escolhas que exprime a esquerda grega, essencialmente a esquerda de Syriza e os militantes de Antarsya que contribuíram para a vitória do não”. Esta citação suscita várias observações.

    Inicialmente, a crítica da UE [União Europeia] expressa acima, justíssima, não corresponde em nada ao que pensam Tsipras, a maioria de Syriza e o governo grego que, ao contrário, insistem desde sempre em sua ligação à “Europa” e declaram querer permanecer no euro e em suas instituições. Mas esse fato central não está assinalado na declaração acima, que pretende fazer como se o problema não existisse. De maneira mais geral – e isso é verdadeiro desde o início de Syriza – a direção do SUQI evitou cuidadosamente colocar em evidência o fato de que as opções pró-UE, de um lado; e reformistas, portanto pró-capitalistas, de outro (os dois estando ligados, é claro) não permitiam uma confiança cega na direção Tsipras, na queda de braço que a opôs ao capital (tanto a burguesia grega quanto os tiranos financeiros e neoliberais da UE e do FMI). Pois uma coisa é apoiar eventuais medidas progressistas, mesmo se parciais, tomadas por um governo reformista, frente à sabotagem e aos ataques da burguesia; outra coisa é não combater, inclusive denunciando forte e publicamente as hesitações e os descaminhos de uma tal força política (Syriza antes de 2015) e os recuos do governo Tsipras antes mesmo de sua capitulação. Ora, do final de janeiro ao início de julho de 2015, o governo Tsipras não parou de recuar diante da Troika, sem nunca elevar seriamente a voz, sem jamais preparar um “plano B” de saída do euro , sem falar da própria saída da UE. Em nenhum momento, antes do referendum, esse governo mostrou a menor determinação em decidir contra a austeridade, isto é, particularmente, bater a porta na cara da troika e romper com o euro apoiando-se na mobilização dos trabalhadores e do povo grego. Mesmo se o chamado ao referendum por parte de Tsipras pode parecer surpreendente após tudo isso, os “marxistas revolucionários light” da direção do SUQI somente poderiam ter dúvidas sobre o que faria Tsipras após o referendum, e deveriam insistir mais sobre o fato de que o dirigene grego, pelo menos, deveria doravante escolher seu campo: seja os/as trabalhadoras/es e o povo grego, seja os financistas e a UE.

    Na sequência, a segunda citação menciona corretamente a cessação do pagamento da dívida e a nacionalização do sistema bancário. Mas isso não basta pois controlar os bancos não é suficiente: a declaração não fala de outras medidas indispensáveis que um governo realmente decidido a romper com a UE deveria tomar, notadamente a expropriação de uma grande parte da economia grega e sua colocação sob gestão dos-as trabalhadores-as, a começar por todos os monopólios e as empresas estrangeiras; o monopólio do comércio exterior... Temos aqui de uma declaração mínima, para incomodar o menos possível os reformistas assumidos de Syriza, que não querem ouvir falar de tudo isso. A segunda citação também contém um elemento que merece um comentário bastante firme. Diplomaticamente – ou melhor, hipocritamente – o texto do SUQI coloca no mesmo cesto “a esquerda de Syriza e os militantes de Antarsya”, como atores/atrizes da vitória do NÃO. É, segundo os fatos, exato. Salvo que essa colocação no mesmo plano de igualdade não corresponde absolutamente às relações reis da direção do SUQI com os/as militantes no local, que são escandalosos. Desde muito tempo, a direção do SUQI, em flagrante contradição com o estatutos da Internacional, negligenciou completamente e “bypassou” a sua seção grega, a OKDE-Spartakos, e escolher apoiar de fato, dentre os militantes na Grécia, aquelas e aqueles que escolheram integrar Syriza. Essa hipocrisia, esse desdém pelos camaradas da seção grega do SUQI e essa política em oposição a um funcionamento respeitoso dos estatutos da Internacional, são sem dúvida as razões pelas quais se encontram muito poucos documentos oficiais do SUQI sobre a questão rega, e mais contribuições individuais. Para compreendê-lo, é preciso recuar um pouco.

    Em 2004 formou-se a coalizão Syriza, cuja força principal é, de longe, Synaspismos (uma cisão do KKE de início dos anos 1990, tendo como base ao mesmo tempo a rejeição do sectarismo devastador desse partido, e de uma orientação de tipo “eurocomunista” bastante direitista e reformista). Alguns grupos de extrema esquerda se agregaram, como Xekinima, a seção grega do CIO (seção irmã da Esquerda Revolucionária, durante algum tempo presente no NPA e que dele saiu na ponta dos pés em 2012). É também o caso de Kokkino, seção simpatizante do SUQI. Lembremos que Syriza é filiada ao PGE (partido da esquerda europeia), assim como o PCF e o PRC italiano. Quanto ao SUQI, a Grécia é um país, de certa forma como a Alemanha, onde a Internacional tem suas forças divididas entre, de maneira breve, uma corrente que quer conservar o programa e a organização marxista-revolucionária e que não despacha às calendas gregas a perspectiva de revolução socialista; e uma outra corrente, adepta de um partido amplo (Syriza), que sublinha a luta contra a austeridade e deixa de lado as questões fundamentais do programa e da estratégia revolucionários. Mas, contrariamente à Alemanha, onde o SUQI tinha duas seções oficiais concorrentes (ISL e RSB), o SUQI tinha, então, apenas um única seção grega, OKDE-Spartakos, que não tinha nenhuma intenção de aproximar-se de Syriza. Os aderentes do SUQI na Grécia que são a favor de um partido amplo e do adiamento da revolução, se reencontrarão em Kokkino e, depois, por reagrupamentos sucessivos, no DEA [Διεθνιστική Εργατική Αριστερά (Esquerda operária internacionalista)], uma das organizações da esquerda de Syriza.

    Foi portanto com Syriza que se criou um partido amplo, sob dominação claramente reformista, mas isso importou pouco à direção do SUQI, que viu aí uma ocasião de aplicar a máxima “nova situação, novo programa, novos partidos”, que se tornou dominante nos anos 1990. Salvo que... no caso da Grécia, a direção do SUQI leva um tombo: sua seção grega não segue esta via.

    Vários anos se passaram e, a partir particularmente de 2009, a Grécia se afunda na crise, em memorandos [imposições da Troika] e numa austeridade cada vez mais dramática para seu povo. Syriza aparece cada vez mais como uma alternativa eleitoral e institucional recusando claramente a austeridade. Mas recheada de ilusões europeias e reformistas, Syriza estima que a UE é um quadro institucional dado, a partir do qual é possível construir uma unidade política europeia, que o euro não é exatamente uma ferramenta destinada a impor a austeridade, e que a luta contra o capitalismo – sem sequer falar de revolução – não está na ordem do dia. Em 2009, Syriza somente obteve 4,6% dos votos nacionalmente. Em 2012, com a crise, as eleições gerais lhe deram 16,8% (bem mais nas grandes cidades), permitindo que se tornasse a primeira força de esquerda, passando a frente do velho partido carcomido da social-democracia, o PASOK.

    De seu lado, a “frente anticapitalista, revolucionária, comunista e ecológica” Antarsya se formou em 2009, reagrupando 10 organizações saídas do maoísmo e do trotskysmo, dentre elas a seção grega do SUQI, OKDE-Spartakos. Antarsya somente obtém 0,36% dos votos em 2009 e passa a 1,19% em 2012, vítima do “voto útil” para Syriza, não atingindo portanto o piso de 3% necessário para se representar no parlamento. Contrariamente a Syriza, Antarsya sustenta não apenas a anulação da dívida, mas também a nacionalização dos bancos e das grandes empresas sob controle operário, e exige a saída do euro e da União Europeia. Antarsya defende a auto-organização das lutas pelas trabalhadoras/es. No interior de Antarsya, OKDE-Spartakos vai mais longe, com uma orientação claramente revolucionária, baseada na tomada do poder pelas/os trabalhadoras/es, na expropriação pura e simples dos bancos e grandes sociedades capitalistas; e, para além da União Europeia, a ruptura com a totalidade das instituições burguesas. Aqui se vê como, muito concretamente, a seção grega em uma linha oposta à maioria do SUQI.

    Porém em maio de 2012, nas eleições parlamentares, a maioria do SUQI não defende sua seção grega, não consultada e de fato boicotada. Ela quer forçar OKDE-Spartakos a se aliar a Syriza e como a seção grega recusa e já está engajada com Antarsya, a direção do SUQI toma posição apoiando Syriza e segue aquelas/es que, na Grécia, estão no partido amplo com direção reformista, munidos de um simples estatuto de simpatizante do SUQI. OKDE-Spartakos protestou e advertiu: “É claro que os objetivos políticos de SYRIZA permanecem definitivamente no quadro do capitalismo e da democracia burguesa”.

    Ao longo dessa sequência e até o cataclismo de julho de 2015, os dirigentes do SUQI, cegos e surdos a esse alerta, porém mais sectários e de má-fé, nada fizeram além de desprezar os camaradas da OKDE-Spartakos, chegando mesmo a tratá-los de contra-revolucionários, o que é o cúmulo! Em sentido oposto, Syriza foi apresentada por muito tempo como um modelo de organização “anti-austeridade” pelos “inovadores” à frente do SUQI. Este apresentou o governo formado em 2015 como um “governo anti-austeridade”, procurando camuflar os recuos de Syriza mesmo antes de de janeiro de 2015 e seus recuos progressivos diante da troïka até o cataclismo de julho de 2015. Da mesma forma, a aliança de Syriza com o partido burguês ANEL não atraiu, como deveria, a atenção e as críticas de nossos anti-austeritários de choque à frente do SUQI.

    Mas finalmente, o que a experiência de Syriza provou, senão a incoerência e a fragilidade de uma tal força política, querendo ao mesmo tempo ficar na União Europeia e no euro, manter os patrões e o capitalismo, e... recusar a austeridade que implica a crise desse sistema? E é em direção a uma tal “força” que capitulou totalmente frente aos bandidos da UE e do FMI, apesar do voto massivo do povo grego contra a austeridade uma semana antes da aceitação por Tsipras do acordo imundo de 13 de julho de 2015 – e é na direção de uma tal força que, segundo a direção do SUQI, deveriam convergir os membros gregos da Internacional. Esse fiasco histórico, político e organizativo provou outra coisa: fazendo a escolha, com Kokkino e DEA, de participar, como corrente de esquerda, à uma força política reformista e parlamentar, os “especialistas” cabeça dura da direção do SUQI talvez não tenham reeditado o enojante naufrágio da DS no Brasil em 2003, mas privaram os trabalhadores e o povo grego de uma força realmente bem estruturada para lutar a seu lado, ao menos durante o período de janeiro a julho de 2015 e, é claro, na sequência. A esquerda de Syriza demorou a reagir, inicialmente o fez de maneira frouxa, se dividiu, ficou muito tempo enredada nos debates, alguns de seus membros reencontraram Tsipras na traição: numa palavra, a esquerda de Syriza, e portanto, particularmente os-as militantes que a direção do SUQI apoiava permaneceram paralisados e impotentes com relação à situação. Quando ocorreu a cisão de Syriza, em torno de um mês e meio após a tragédia, com a criação da Unidade popular, seguindo apenas 25 deputados oposicionistas, a ruptura não foi completa. Se a vontade de acabar com a austeridade e a saída do euro é efetivamente reivindicada por essa corrente, esta não se inscreve numa lógica de ruptura com a ditadura do capital e de enfrentamento com a burguesia. Além disso, as eleições parlamentares seguintes, em setembro de 2015, colocaram esse grupo fora do parlamento, com 2,86% dos votos (com o limite de 3%). Isso prova outra coisa: ganhar a consciência das-os trabalhadoras-es, saber aproveitar de uma fase de lutas de classes intensas para estar em medida de conduzí-los à vitória, tudo isso exige tempo e independência política. A esquerda de Syriza estava identificada acima de tudo como Syriza – e seus críticos da direção do partido e do governo se pretendiam positivos, comedidos, construtivos – e, foi sem dúvida, com a falta de tempo, com seu despreparo e suas hesitações iniciais, a razão principal que a impediu de aparecer desde o início como uma alternativa confiável à Syriza.

    Depois de mais de dois anos, as calamidades, a miséria e a fome se abatem sobre o povo grego e permitem algum tempo, talvez, em meio à dor, para meditar sobre essa lancinante sequência histórica.

    Acabar com essa política de adaptação do reformismo, retomar o marxismo revolucionários

    Antes que um novo drama, na Espanha ou alhures, venha quebrar duravelmente as forças dos revolucionários, está mais do que hora de jogar no lixo essa política rascunhada que tanto estrago causou entre as organizações internacionais que, inicialmente, se ligavam ao trotskysmo e à revolução socialista mundial. Recusamos, sob o pretexto de reconstruir novas forças de esquerda, de colocar os revolucionários a reboque dos reformistas. Acabemos com a escolha de priorizar os partidos amplos, e quando taticamente essa opção se apresente como a mais judiciosa, pensemos em termos de entrismo e demos a prioridade, no interior do partido amplo, para a construção de uma corrente revolucionária que recuse em especial participar nas instituições burguesas que o partido amplo pretende assumir. Rejeitemos os programas de meias cores, antineoliberais mas não anticapitalistas, que se revelam bolinhas de papel quando se trata colocar os programas em ação. Cessemos uma vez por todas de gargarejar o vocábulo enganador e confusionista de “esquerda radical”. Deixemos isso para a imprensa burguesa. Syriza era e permanece para esta última “a esquerda radical”. Mas o que é este bicho? O que é uma esquerda radical como Syriza, que colocou em ação uma austeridade draconiana e literalmente dramática para os trabalhadores e o povo gregos?

    Ao contrário, precisamos partir dos fundamentos do marxismo revolucionário. Construamos em todos os lugares, como primeira prioridade, partidos (ou se a existência de um partido amplo se impõe taticamente, correntes estruturadas e coerentes) comunistas e revolucionários, independentes dos reformistas, ativos nas lutas das/os trabalhadoras/es e dos meios populares, apresentando-se publicamente pela revolução contra o capital e seu Estado e explicando porque. Remetamos no centro de nossa atividade a coordenação das lutas, a greve geral, construamos a auto-organização, com a perspectiva, assim que as circunstância o permitam, de expropriar a burguesia e de demolir seu Estado por uma insurreição. Envelhecido, antiquado, defasado? Antes de pronunciar tais qualificativos, aqueles e aquelas que tanto erraram e conduziram a similares derrotas fariam melhor de varrer finalmente na frente de suas portes e de limpar as folhas mortes e apodrecidas dos partidos amplos e dos governos anti-austeridade. Construir uma verdadeira internacional comunista revolucionária tomará tempo sem dúvida, mas os atalhos oportunistas das últimas décadas nos fizeram perder muito tempo.


     

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